A decisão judicial recentemente proferida no caso de um militar em Minas Gerais ilustra a importância da clareza na fundamentação dos atos administrativos e sua compatibilidade com o princípio da legalidade. A matéria abordada envolve punições disciplinares decorrentes do descumprimento de ordem legal, especificamente a obrigatoriedade de apresentação do militar após o término de sua licença-médica.
A Teoria dos Motivos Determinantes
O ponto central da discussão foi a existência de contradições nos fundamentos utilizados pela Administração Militar para justificar as penalidades aplicadas. Em conformidade com a teoria dos motivos determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada às razões que o fundamentam. Quando há contradição na motivação, o ato pode ser declarado nulo, conforme preceitua a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (RMS 56.858/GO, PRIMEIRA TURMA, DJe 11/9/2018).
Decisão semelhante foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o RE 592.912, onde se reafirmou que a ausência de clareza e coerência na fundamentação dos atos administrativos compromete a sua validade, tornando-os passíveis de anulação. Esta decisão reforça a necessidade de transparência e consistência na aplicação de punições disciplinares, resguardando os direitos dos administrados e promovendo a segurança jurídica.
A Contradição nas Decisões Administrativas
Os registros funcionais do militar indicavam que ele deveria se apresentar imediatamente após o encerramento de sua licença-médica, salvo determinação em contrário. No entanto, em alguns Processos de Comunicação Disciplinar (PCDs), a Administração sustentou que a ordem de apresentação se renovava tacitamente a cada dia de ausência. Por outro lado, em decisão anterior, reconheceu que não havia clareza suficiente para determinar tal obrigação de comparecimento diário, gerando uma inconsistência na fundamentação.
Fundamentação Jurídica e Precedentes
O Tribunal entendeu que, enquanto algumas punições estavam devidamente fundamentadas e deveriam ser mantidas, outras se mostraram contraditórias, o que justificava sua anulação. Esse entendimento está alinhado com o artigo 46, §1º, da Lei Estadual n. 14.184/02, que exige que a motivação administrativa seja clara, suficiente e coerente.
Art. 46 – A Administração tem o dever de emitir decisão motivada nos processos, bem como em solicitação ou reclamação em matéria de sua competência.
§ 1º – A motivação será clara, suficiente e coerente com os fatos e fundamentos apresentados.
A doutrina também reforça essa posição. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “a incongruência entre o motivo e o resultado do ato administrativo leva à sua invalidação, pois compromete a legalidade do ato” (Manual de Direito Administrativo, 17ª ed., Lumen Iuris, 2007, p. 108).
Da mesma forma, Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que “a motivação deve ser clara e objetiva, de modo que qualquer cidadão possa compreendê-la e verificar a sua conformidade com o ordenamento jurídico” (Direito Administrativo, 32ª ed., Atlas, 2019, p. 879).
Ainda, Hely Lopes Meirelles afirma que “a ausência de motivação ou a existência de contradições na fundamentação de um ato administrativo pode acarretar a sua nulidade por vício de legalidade” (Direito Administrativo Brasileiro, 40ª ed., Malheiros, 2013, p. 154).
Conclusão e Implicações Práticas
Diante da ausência de uniformidade na fundamentação dos atos administrativos, o Tribunal determinou a anulação das punições nos PCDs que apresentaram contradição, preservando aquelas que estavam regularmente motivadas. A decisão reafirma a necessidade de clareza e coerência nos atos administrativos e reforça a possibilidade de controle judicial quando houver violação a princípios fundamentais da administração pública.
Esse julgamento serve como precedente relevante para casos semelhantes, garantindo que penalidades sejam aplicadas com base em fundamentos sólidos e coerentes, protegendo os direitos dos administrados e fortalecendo a segurança jurídica.
