O Caso Analisado
Trata-se de apelação interposta por ex-militar contra sentença que julgou improcedente o pedido de anulação de ato administrativo que resultou em sua demissão da corporação, em razão de transgressão disciplinar. A defesa argumentou que a exclusão ocorreu após Processo Administrativo-Disciplinar (PAD) que investigou a conduta do apelante na elaboração de boletins de ocorrência de acidentes de trânsito anteriores, e que a comissão responsável concluiu que não houve ato ilícito ou infração que maculasse a honra e o decoro da classe.
Além disso, destacou que, embora tenha sido absolvido em Ação Penal Militar, a exclusão foi determinada pelo comandante-geral, contrariando a recomendação da comissão para uma punição mais branda. A defesa argumentou ainda que a decisão foi desproporcional e desarrazoada, pois não houve prejuízo à honra da classe, sendo a sanção uma grave injustiça. O apelante sustentou que a exclusão foi contrária aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e que a decisão administrativa ignorou as absolvições na esfera penal.
A administração pública, em especial no âmbito militar, exerce sua função com base em um conjunto de normas e princípios que garantem a boa ordem e o cumprimento dos deveres institucionais. Dentre essas normas, destaca-se a questão da disciplina e da ética no serviço militar, que são fundamentais para a convivência e a atuação de seus membros.
Em casos de transgressões disciplinares graves, a punição de um militar pode culminar em sua expulsão, como ocorrido no caso recente envolvendo um membro da Polícia Militar de Minas Gerais. O militar, que recorreu de uma decisão desfavorável no âmbito cível, havia sido punido por conduta transgressora de natureza grave, resultando em sua expulsão da corporação após rigorosa apuração e devido processo administrativo. A análise do caso permite refletir sobre a legitimidade dos atos administrativos disciplinares e o papel do Poder Judiciário nesse contexto.
A Presunção de Legitimidade dos Atos Administrativos
De acordo com o princípio da presunção de legitimidade, os atos administrativos disciplinares gozam de uma presunção inicial de legalidade e regularidade. Isso significa que, em regra, os atos praticados pela administração pública são considerados válidos até que se prove o contrário. Nesse sentido, o controle judicial sobre tais atos deve ser restrito, não abrangendo a análise de mérito administrativo, mas apenas a regularidade do procedimento e a legalidade do ato.
Como ensina a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro em sua obra Direito Administrativo, “a presunção de legitimidade dos atos administrativos confere à administração pública uma posição privilegiada, uma vez que, até que se prove o contrário, tais atos são considerados válidos, independentemente da aprovação do Poder Judiciário” (DI PIETRO, 2020, p. 174). Em situações como a do militar em questão, cabe ao Poder Judiciário verificar se o processo disciplinar respeitou os princípios do devido processo legal e se não houve ilegalidade manifesta ou desproporcionalidade na sanção aplicada. Não cabe ao Judiciário, portanto, revisar a conveniência ou a oportunidade da medida punitiva, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.
A Legislação e os Princípios Éticos Militares
O Código de Ética e Disciplina dos Militares estabelece que a conduta de um militar deve pautar-se por altos padrões de ética, honra e respeito aos princípios da hierarquia e disciplina. A demissão de um policial militar é uma medida prevista para casos de transgressões graves que afetem a honra pessoal ou o decoro da classe, e sua aplicação é vinculada a essas condições.
O Título II que lista os crimes contra a autoridade ou disciplina militar no Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/1969) prevê punições severas para aqueles que atentem contra a disciplina e os valores éticos da instituição militar. Ao analisar-se a expulsão do militar, portanto, verificou-se a aplicação de uma sanção legalmente prevista, condicionada a uma avaliação cuidadosa das circunstâncias e da gravidade da conduta.
Em sua obra Direito Administrativo Disciplinar, Hely Lopes Meirelles observa que, no âmbito militar, “a disciplina não é apenas uma norma interna, mas uma verdadeira condição para a ordem pública, sendo que a violação grave desses preceitos compromete a própria estrutura hierárquica da instituição” (MEIRELLES, 2019, p. 253). A sanção de expulsão é, assim, uma medida que se aplica quando há condutas que comprometem os pilares fundamentais da organização militar.
Além disso, conforme estabelece o Código de Ética e Disciplina dos Militares, a expulsão é uma medida de caráter vinculante, ou seja, é obrigatória quando a transgressão é grave, independentemente da conveniência ou da oportunidade. Não cabe ao Poder Judiciário reavaliar a sanção, exceto se constatada alguma ilegalidade flagrante ou abuso de poder, o que não foi o caso neste exemplo específico.
A Independência entre as Esferas Criminal e Administrativa
Um ponto crucial para a análise do caso é a independência entre as esferas criminal e administrativa. Embora as decisões proferidas no âmbito criminal possam influenciar os procedimentos administrativos, a esfera administrativa possui autonomia e pode aplicar punições mesmo quando o militar não for condenado na esfera criminal. A decisão administrativa é vinculada apenas às conclusões de fato relacionadas ao processo, como a comprovação ou não da prática de transgressão e a autoria do ato.
No caso em questão, a decisão criminal não havia negado a autoria ou a existência do fato, o que permitiu que a administração aplicasse a sanção administrativa de forma válida e legal. Celso Antônio Bandeira de Mello também destaca que “as esferas administrativa e judicial são independentes, e a decisão administrativa pode ser adotada mesmo diante da absolvição ou da falta de condenação em juízo criminal, desde que os fatos que embasam a punição administrativa estejam comprovados” (BANDEIRA DE MELLO, 2020, p. 325).
Garantia do Contraditório e da Ampla Defesa
Em relação ao processo administrativo, é fundamental destacar que os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal foram devidamente observados. O militar teve a oportunidade de se defender, apresentar suas razões e contestar as acusações feitas contra ele, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988. A sanção aplicada, portanto, estava devidamente fundamentada e não apresenta motivos para anulação.
Conforme o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, “o devido processo legal assegura ao acusado o direito de se manifestar sobre as acusações, e a ampla defesa garante que ele tenha plena liberdade para apresentar provas, produzir argumentos e questionar a legalidade do procedimento” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 217).
A Fundamentação da Expulsão do Militar
No caso concreto, ficou comprovado que o militar cometeu transgressões incompatíveis com os valores e princípios ético-militares, especialmente no que tange ao respeito à hierarquia e à disciplina, pilares fundamentais da atuação militar. A gravidade de suas ações justificou a sanção de expulsão, que foi aplicada após rigoroso processo administrativo.
O militar, portanto, não conseguiu demonstrar ilegalidade ou desproporcionalidade na sanção, tampouco a violação dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Diante disso, o ato administrativo punitivo foi mantido, sendo assegurada a validade da decisão administrativa.
Conclusão
A expulsão de um militar da Polícia Militar de Minas Gerais, decorrente de transgressão disciplinar grave, foi um ato legítimo e dentro dos limites da legalidade. A presunção de legitimidade dos atos administrativos, aliada à observância dos princípios constitucionais e ao respeito ao Código de Ética e Disciplina dos Militares, torna clara a validade da sanção aplicada.
O Poder Judiciário, ao analisar casos como esse, deve se limitar à verificação da regularidade do procedimento e à legalidade do ato, não adentrando no mérito administrativo. No caso concreto, restou claro que o militar infringiu normas éticas e disciplinares de forma grave, o que justifica a sanção imposta.
Ao final o TJMMG decidiu que estando o ato administrativo-disciplinar regular, tendo em vista que respeitados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, deve ser mantida a sanção disciplinar aplicada ao apelante.
Fontes Jurídicas:
– Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/1969)
– Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais (Lei nº 14.310, de 19/06/2002)
– Constituição Federal de 1988, Artigos 5º, 37 e 41
Jurisprudência Relevante:
– STJ, Súmulas 7, 650 e 665
– STF, Súmula 18
Referências Doutrinárias:
– DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
– MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Disciplinar. 26ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
– BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 34ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
– CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.